Jonas carpignano. “o nosso conceito de lugar está a mudar”

Ionline

Jonas carpignano. “o nosso conceito de lugar está a mudar”"

Play all audios:

Loading...

A viagem é difícil, pensamos recostados num sofá perante as imagens que todos os dias nos chegam dos que morrem a tentar fazê-la. Mas não é o mais difícil. O difícil é a chegada. É isso que


o realizador ítalo-americano Jonas Carpignano tem para nos dizer na sua primeira longa-metragem, “Mediterrânea”, que está a dar que falar. Dez prémios e outras dez nomeações, incluindo duas


em Cannes – diz-se isto e fica o assunto arrumado. “Mediterrânea” podia ser um filme sobre o mar, mas é um filme sobre a terra, porque mais do que o que se passa na viagem, importa o que


acontece depois da chegada, o momento em que uma pessoa se define. Aí sim, começa a verdadeira viagem. COMO DECIDIU FAZER ESTE FILME? Há cinco anos, quando cá cheguei [a Gioia Tauro, uma


cidade do sul de Itália], já queria fazer um filme sobre as questões raciais. Ao fazer a curta [“A Chjàna”, que conta a história de um jovem imigrante que tenta reencontrar um amigo depois


de uma manifestação], conheci o Koudous [Seihon, ator principal nesse filme], que foi a minha inspiração para fazer o “Mediterrânea”. Percebi logo que havia ali uma história maior, muita


coisa para contar. Tornámo-nos amigos e fomos viver juntos. E durante o processo do filme ficámos ainda mais amigos, ainda hoje vivemos juntos. O “Mediterrânea” é a vida dele. QUE PONTOS HÁ


EM COMUM ENTRE A VIDA DE KOUDOUS E A DE AYIVA, A SUA PERSONAGEM NO FILME, QUE ATRAVESSA O DESERTO A PÉ E DEPOIS O MEDITERRÂNEO, DE BARCO, À PROCURA DO SONHO EUROPEU? É quase tudo ele, 94% é


a vida dele. Há outras histórias de coisas que aconteceram a amigos nossos que quisemos juntar e pusemo-las no filme. Exceto o assalto. Tirando isso, tudo o que está no filme aconteceu. A


SITUAÇÃO DELE MUDOU ENTRETANTO? O QUE FAZ ELE AGORA? Neste momento está no sofá, a ver televisão [risos]. Fez uma paragem. Desde que o filme saiu, não voltou ao campo para colher laranjas.


Tivemos uma data de viagens, estamos a tentar fazer outro filme e, se tudo correr bem, ele não terá de voltar até o termos acabado. De resto, os nossos círculos sociais, os sítios que


aparecem no filme, aquelas miúdas, os rapazes, continuamos a estar com eles, é assim todos os dias. A situação específica dele mudou muito, mas o resto continua mais ou menos igual. AQUELES


SÃO MESMO OS AMIGOS DELE? Sim. Todas as pessoas que entram no filme são os nossos amigos, não são atores. São amigos que quiseram fazer parte do filme, que aparecem na nossa casa e apareciam


nas filmagens a toda a hora. UMA DAS PERSONAGENS MAIS INTRIGANTES É PIO, O MIÚDO QUE VENDE E COMPRA TUDO O QUE PODE E ANDA SEMPRE A CRAVAR CIGARROS AOS ADULTOS, QUE POR SUA VEZ LHE DÃO


CIGARROS, O QUE TAMBÉM É PERTURBADOR. Sim, eles são exatamente aquilo, estão todos a interpretar uma versão das suas vidas. Ele é mesmo assim e aquele é o seu nome real – esteve aqui há umas


horas, está sempre cá em casa. O que vemos no filme é a sua verdadeira casa, na sua comunidade, com os seus primos e sobrinhos. O meu próximo filme vai ser sobre ele, sobre a sua vida.


Apesar de ser a terceira geração aqui, é considerado cigano, é de etnia cigana, e vive numa comunidade marginalizada, um bairro chamado Ciambra em que só vivem pessoas romenas, 700 pessoas,


todos romenos. “A Ciambra”, vai ser esse o nome do filme, explora a relação entre os imigrantes da cidade e a terceira geração desta comunidade. A amizade entre Ayiva e Pio, que começa a


desenhar-se em “Mediterrânea”, levanta uma questão sobre qual será o futuro da relação entre as duas comunidades. EXCETO ALASSANE SY, QUE FAZ O PAPEL DE ABAS, NENHUM DOS PARTICIPANTES É ATOR


PROFISSIONAL. COMO FOI O TRABALHO COM ELES? Estou a viver aqui há tanto tempo que fui conhecendo as pessoas que sabia que ia querer no filme. Perceber quem fazia sentido, as figuras


carismáticas que tinham de estar – esse foi o primeiro passo e a parte mais difícil. Uma vez que eles sabiam que estavam no argumento, era o processo de começar a escrever coisas que eles já


tinham feito. Nunca aconteceu eles terem de ir para um lugar muito distante do deles, por isso chegavam às coisas por eles próprios, a partir de algo que já tinham sentido ou feito. A parte


difícil não foi fazê-los chegar à personagem, porque eles eram a personagem, foi fazer com que se sentissem confortáveis em cena. Sempre que ia ter com eles levava uma câmara, mesmo que não


fosse para filmar, e ao fim de algum tempo eles foram capazes. Depois, o argumento ia mudando, estávamos sempre a mudá-lo até ao momento em que começámos a filmar. Quando começámos a filmar


parámos de escrever, não tínhamos muito tempo. Éramos capazes de improvisar e filmar dias a fio. O TÍTULO É “MEDITERRÂNEA”, MAS NO FINAL O FILME É MAIS SOBRE O QUE ACONTECE QUANDO SE CHEGA


À EUROPA DO QUE SOBRE O QUE SE PASSA NO MAR. Para mim, “Mediterrânea” não é sobre o mar Mediterrâneo, é sobre a pluralidade das terras do Mediterrâneo, é sobre reconhecer que o nosso


conceito de lugar está a mudar. O sul de Itália tem muito mais em comum com o sul de Espanha, alguns sítios na Grécia e sítios no norte de África do que com o norte de Itália. “Mediterrânea”


é a ideia desta nova terra a desafiar os conceitos tradicionais de fronteiras que estão desenhadas há milhares de anos. Para mim, “Mediterrânea” é este lugar de intersecção de culturas que


é resultado das novas migrações. E eu estive sempre interessado neste lugar. A viagem é algo de que oiço falar muitas vezes: as notícias falam-nos do mar, da travessia, das tragédias – ainda


hoje houve uma. Fala-se muito da viagem, mas presta-se muito pouca atenção ao que acontece a seguir, e isso é um paradoxo bizarro porque a verdadeira aventura para as pessoas que vêm é a


chegada. Quando viajam é mais fácil – não é fácil, mas os objetivos são muito claros: atravessar o deserto, atravessar o mar. Uma vez que se chega a um lugar, é difícil saber realmente o que


fazer com a vida se não houver um objetivo, e isso é uma coisa que tem de ser mais explorada. É à chegada que uma pessoa se define. IMAGINO QUE NÃO LHE AGRADE A FORMA COMO ESTE ASSUNTO É


TRATADO PELOS MEDIA. As pessoas preferem relatar estatísticas e factos a focarem-se no lado humano da história. Hoje estava a assistir às imagens de uma mulher, estendida na costa, e só se


falava sobre quantas pessoas tinham sobrevivido. Era assim que a história era apresentada nas notícias – uma análise estatística e fria do que aconteceu. Como é que ela se sentia? De onde


era? Porque tinha vindo? O que esperava? Quem são os seus amigos? De que tipo de música gosta? Ir à procura disto é o tipo de coisa que consegue fazer-nos olhar para as pessoas, para os


seres humanos, e não apenas para as estatísticas, e que faria com que sentíssemos mais empatia com os milhares e milhares de pessoas que chegam. Infelizmente, isso tem estado a passar ao


lado dos media. O FACTO DE SER AMERICANO COM DUPLA NACIONALIDADE, FILHO DE MÃE NEGRA E PAI ITALIANO, E DE TER CRESCIDO ENTRE DOIS PAÍSES, DEU-LHE UMA VISÃO DIFERENTE SOBRE ESTE PROBLEMA E


SOBRE OS IMIGRANTES? Fui sempre muito sensível às questões raciais em Itália. Tive sempre dupla nacionalidade e os meus primeiros quatro anos, antes de ter ido para a escola, foram passados


em Roma, com os primos e a família. Toda a minha família estava cá. Depois voltei para a América e legalmente mudei a minha residência para Itália há dez anos. Crescer com uma mãe negra


quando estava em Itália era uma coisa diferente. Obviamente, sinto-me identificado com este assunto. Por isso, sim, não sei onde estaria se não fosse assim. [email protected]


Trending News

Netflix confirma continuação de "bright", com will smith

Escrito por Henrique Brinco HENRIQUE BRINCO é baiano, formado em Comunicação Social pela Unijorge, de Salvador. Atua no ...

Evaristo Costa volta a detonar a CNN após demissão polêmica e adianta novos planos

Evaristo Costa estava na CNN Brasil desde 2019 e foi demitido da emissora de uma forma polêmica. O jornalista voltou a d...

Pantanal - tudo sobre pantanal - rd1

JADE PICON FALA DA ESTREIA EM TRAVESSIA: “NÃO TENHO MEDO” Depois de muita expectativa, Jade Picon estreia como atriz nes...

Ex-diretor de estatal de petróleo venezuelana é encontrado morto na espanha

A Espanha está investigando a morte de Juan Carlos Márquez, diretor da PDVSA, a empresa estatal de petróleo da Venezuela...

A fazenda: babi e iran dão selinho durante a última festa do reality

Na noite de terça-feira (13), os peões foram surpreendidos com a realização da festa da final em “A FAZENDA 14“, da RECO...

Latests News

Jonas carpignano. “o nosso conceito de lugar está a mudar”

A viagem é difícil, pensamos recostados num sofá perante as imagens que todos os dias nos chegam dos que morrem a tentar...

Pantanal - tudo sobre pantanal - rd1

JADE PICON FALA DA ESTREIA EM TRAVESSIA: “NÃO TENHO MEDO” Depois de muita expectativa, Jade Picon estreia como atriz nes...

Ex-diretor de estatal de petróleo venezuelana é encontrado morto na espanha

A Espanha está investigando a morte de Juan Carlos Márquez, diretor da PDVSA, a empresa estatal de petróleo da Venezuela...

A fazenda: babi e iran dão selinho durante a última festa do reality

Na noite de terça-feira (13), os peões foram surpreendidos com a realização da festa da final em “A FAZENDA 14“, da RECO...

O brasil precisa de uma educação para o exercício da democracia

No transcurso dos 200 anos da Independência, 133 da Proclamação da República e 34 da promulgação da Constituição de 1988...

Top