Estratégia de cidadania

_A recente aprovação pelo Senado da PEC que universaliza a licença-maternidade de 6 meses nada mais é que o co­­roamento de longo processo de luta. Atesta a energia trans­­formadora das

iniciativas que nascem da sociedade civil_ A licença-maternidade de 6 meses é conquista do povo brasileiro. Um fato concreto que merece comemoração. Um feito que projeta o Brasil na

vanguarda do processo civilizatório do novo milênio. Uma lei inquestionável no mérito e irreversível nos benefícios que lhe são decorrentes. Sua aprovação demonstra que a sociedade está

pronta para os avanços sociais de que depende o progresso do país. Dois conteúdos de louvável alcance são subjacentes ao êxito dessa nobre causa. Contagiam lideranças de todas as classes

sociais, nos mais distantes rincões, despertando-as para a prioridade a ser concedida à primeira infância. De um lado, a evidência científica dos benéficos resultados advindos de toda

iniciativa que qualifica os cuidados com a saúde e a educação do ser humano no período de vida marcado pelo desenvolvimento cerebral, base insubstituível para a integridade do processo de

cognição, sem o qual a cidadania fica seriamente prejudicada. De outro lado, o papel relevante das ações participativas de instituições públicas ou privadas. São eivadas de rico potencial de

mobilização democrática, por meio do qual a sociedade ganha consciência coletiva legítima que lhe confere autonomia para vislumbrar e propor mudanças necessárias à ininterrupta promoção da

dignidade humana a que tem direito. A recente aprovação pelo Senado da PEC que universaliza a licença-maternidade de 6 meses nada mais é que o coroamento de longo processo de luta. Atesta a

energia transformadora das iniciativas que nascem da sociedade civil. Culmina um trabalho que serve de modelo para outras conquistas de igual dimensão. De fato, tudo começou em 2004. A

Sociedade Brasileira de Pediatria, entidade da sociedade civil, formulou o projeto de lei que amplia para seis meses o afastamento remunerado das mães trabalhadoras. Criou a figura da

empresa cidadã, com incentivo fiscal aos empresários que, em caráter facultativo, concedessem dois meses suplementares de licença às suas trabalhadoras. O objetivo era garantir a todas as

crianças a plenitude dos cuidados maternos que não lhes pode faltar. É o requisito singular para sua evolução biopsicossocial, regrada pela integridade do vínculo afetivo nascido idealmente

da estimulação sensorial imanente a esse aconchego de origem. O projeto teve apoio da OAB e foi entregue, em 2005, à senadora Patrícia Saboya, presidente da Bancada Parlamentar da Infância.

A ilustre aliada incluiu a proposta entre as preciosas bandeiras sociais que movimentaram seu respeitável mandato. Tornou-se, com todo mérito, sua autora parlamentar, desencadeando ativa

tramitação no Congresso Nacional. O projeto de lei foi amplamente debatido em todo o território nacional. A opinião pública convenceu-se de sua validade. As resistências foram superadas, a

tal ponto que a maioria dos estados, inúmeros municípios e muitas empresas privadas encamparam a ideia, colocando-a em vigor para funcionárias e trabalhadoras antes mesmo da decisão do

Congresso Nacional. Em 2008 o projeto virou lei, incluindo funcionárias públicas federais e mães adotantes. Por pressão da equipe econômica, as micro e pequenas empresas ficaram excluídas.

Negou-se assim o direito a mais da metade das mulheres trabalhadoras, restrição injusta que não pode ser aceita. A aprovação da PEC vai corrigir o erro. A licença-maternidade de 6 meses há

de ser concedida obrigatoriamente a todas as mulheres trabalhadoras de instituições públicas e privadas. Será a vitória final de uma valiosa estratégia de cidadania. _Dioclécio Campos

Júnior, médico, é professor-titular de pediatria da UnB, ex-presidente e atual diretor de assuntos parlamentares da Sociedade Brasileira e Pediatria. E-mail_: [email protected]