Em 10 anos, reportagens sobre o racismo estrutural aumentam, mas a abordagem ainda é superficial
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Um estudo inédito coordenado pelo coletivo _Lójúkojú_ e publicado pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação, da Universidade de São Paulo (USP), revelou que o
racismo estrutural tem ganhado cada vez mais destaque na mídia brasileira nos últimos dez anos. O número de matérias e reportagens publicadas pela imprensa sobre o tema disparou, saindo de
apenas uma para quase 400 textos publicados em mais de 170 veículos de jornalismo digital nacional. Os dados, conforme destaca a pesquisadora Tainá Freitas Medeiros, responsável pelo estudo,
são muito positivos e refletem, de fato, um avanço significativo. UM OLHAR MAIS ATENTO AO CONTEÚDO DOS TEXTOS, NO ENTANTO, MOSTRA QUE É PRECISO IR ALÉM. “O que vimos foram muitas menções ao
tema, mas de uma forma ainda muito superficial”, explica a pesquisadora em entrevista exclusiva à CARTACAPITAL. “Os textos tratavam de racismo estrutural, mas sem de fato usar o conceito
completo. A menção era sempre a um episódio factual de racismo, que estaria inserido nessa cultura ‘comportamental’ enraizada, chamada superficialmente nas matérias de racismo estrutural.”
> Episódios como a morte de George Floyd e os recentes episódios > racistas no Carrefour são alguns dos ‘gatilhos’ para as > matérias O estudo foi dividido em duas partes. A
primeira, quantitativa, mapeou todas as menções ao racismo estrutural na mídia digital brasileira. Nesta etapa, explica ela, houve um ‘aumento positivo’, principalmente após 2017, quando as
matérias que citam o conceito saem de 30 no ano anterior para 144. Já na segunda etapa, o estudo se debruçou sobre a forma como o conceito foi abordado em cada texto e é justamente nesta
fase em que estão as grandes conclusões da pesquisa, conforme explica Medeiros. Episódios como a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, e os recentes episódios racistas no supermercado
Carrefour, no Brasil, são alguns dos ‘gatilhos’ para as matérias. Ou seja, o tema volta à tona sempre que um caso de racismo ganha maior repercussão. “Mas é como se esses textos olhassem
apenas de um ponto de vista de relações sociais, sem de fato questionar os motivos desse ‘comportamento enraizado’ exposto ali” acrescenta. “A maior parte dos textos ignora as estruturas que
levam o racismo a existir e tratam a questão como uma ‘atitude isolada’, mas ao mesmo tempo ‘normalizada’ por esta sociedade.” A pesquisadora destaca, por exemplo, que são poucas as
abordagens que questionam o modelo econômico vigente, apontado por vários autores como pilar desse racismo estrutural. Outros aspectos fundamentais, como questões ambientais, desigualdades
de gênero e até mesmo sistemas políticos causadores da desigualdade dificilmente são abordados pelas matérias publicadas neste período. “O que vemos é um tratamento superficial. Como se
episódios de racismo acontecessem por acaso, uma fatalidade, ou por um comportamento isolado de um indivíduo. A citação ao racismo estrutural fica, muitas vezes, solta, usada para tentar
explicar o que teria ocorrido, mas sem de fato se aprofundar no conceito”, explica. O olhar qualitativo também permitiu a Medeiros que os números monitorados na primeira fase fossem vistos
com novas nuances. Ao desmembrar o levantamento por mês, por exemplo, a concentração de matérias no mês de novembro nos encaminha para outras problemáticas. Obviamente, não é por acaso que o
tema ganha destaque no mês, é justamente o período conhecido por marcar no calendário brasileiro uma lembrança as lutas do povo negro. O chamado Mês da Consciência. De acordo com a
pesquisadora, a ação dos jornais neste intervalo, claro, não pode, nem deve, ser menosprezada. O dado, no entanto, revela mais uma marca evidente da desigualdade. “O tema deveria fazer parte
das redações. Estamos em um país que tem o racismo, infelizmente, como uma realidade diária. Concentrar as matérias só em novembro indica, em boa parte dos casos, uma forma de ‘cumprir
tabela’, ou seja, de camuflar um esforço reduzido na abordagem da temática. É uma preocupação, ao que parece, apenas momentânea”, avalia Medeiros. O tema, segundo ela, não precisa só ser
abordado diretamente, como fio condutor principal de um texto, o que, obviamente, já permitiria ampliar os horizontes das redações para além de novembro. A ideia é justamente fAZER COM QUE O
CONCEITO ESTEJA PRESENTE AO TRATAR DE QUESTÕES QUE IMPACTAM DIRETAMENTE A VIDA DA POPULAÇÃO NÃO-BRANCA pelo simples fato de elas serem não-brancas. “Na pandemia isso evoluiu. Vimos no
início de 2020 uma abordagem que dizia que o vírus era igualitário, contaminaria de igual forma brancos e pretos, homens e mulheres, pobres e ricos. Quando na prática isso não se mostrou
verdadeiro. E foi exatamente as matérias que abordaram esta não igualdade de contaminação ou as maiores dificuldades e violências vividas nas periferias durante a pandemia que melhor se
apropriaram do conceito de racismo estrutural”, afirma. A jovem destaca que o mesmo deveria valer para muitos outros temas latentes na sociedade, como a pauta ambiental, tão em alta com as
discussões da COP26, em Glasgow. “Mais uma vez, quem são os mais afetados pelas questões climáticas? É nestas estruturas que se mantém o racismo”, questiona. “O conceito nos oferece
instrumentos, que ajudam a caminhar no sentido de uma análise cada vez mais sistêmica e complexa, que expõe o racismo como a regra, e não a exceção, do ordenamento social brasileiro”, resume
Medeiros em um trecho da pesquisa. IMPRENSA BRASILEIRA É AINDA MAIS BRANCA E MASCULINA DO QUE A POPULAÇÃO BRASILEIRA As explicações para as principais conclusões da pesquisa de Tainá
Medeiros estão justamente no perfil de quem ocupa as redações. Levantamento recente do _Instituto CORDA_, em parceria com _Portal dos Jornalistas_, publicado neste mês de novembro, revelou
que O PERFIL RACIAL DA MÍDIA BRASILEIRA É DOMINADO POR HOMENS BRANCOS. Ao todo, 63% dos repórteres e editores são homens. Do total, 77,6% seriam brancos. Restando nas redações apenas 36,6%
de mulheres – outros gêneros somam apenas 0,4% – e 22,4% de não-brancos nas redações. Destes, 20,1% se afirma negro, 13,2% pardo e 6,9% preto. “Questionar estruturas racistas se torna uma
tarefa complexa neste contexto. Ela não interessa aos grandes veículos justamente por eles serem agentes determinantes nestas estruturas”, explica Medeiros. Outro motivo apontado pela
estudiosa que permite compreender os dados levantados por ela são as poucas fontes negras consultadas nas matérias analisadas na pesquisa. Para ela, ainda que tenha ocorrido uma considerável
melhora neste sentido, a maior parte das fontes consultadas pelos veículos de mídia são brancas, o que contribuiria consideravelmente para que a abordagem do conceito de racismo estrutural
ocorra de modo incorreto ou superficial. Ela cita, por exemplo, que dificilmente autores do tema são os consultados pela mídia ao tratar do conceito. O advogado, filósofo e professor Silvio
Almeida, autor da obra ‘Racismo Estrutural’, e tido como um dos grandes pensadores do assunto não era, até pouco tempo, uma fonte tão recorrente nos veículos hegemônicos. O mesmo vale para o
pesquisador e professor da USP, Dennis Oliveira, outra referência no assunto, e para a filósofa e escritora Djamila Ribeiro. Levantamento realizado também pelo _coletivo Lójúkojú_ em 2020
mostrou que apenas 8% dos entrevistados no Roda Viva, um dos mais tradicionais programas jornalísticos brasileiros exibido pela TV Cultura, eram pessoas não-brancas. O mesmo se repetiria no
programa Conversa com Bial, da TV Globo, onde apenas 19% dos entrevistados seriam negros até a metade de 2020. “O mais grave é que essa não consulta a negros é uma opção. Não é como se não
existissem pesquisadores negros sobre diversos temas ou como se eles estivessem indisponíveis”, destaca. “Pelo contrário, há muitos pesquisadores, estudiosos e personalidades negras. Assim
como mulheres, indígenas. E, o mais importante, eles estão disponíveis e em busca de espaço na para se expressarem, exibirem seus trabalhos e compartilharem as suas visões”, acrescenta.
VEÍCULOS INDEPENDENTES E NÃO-HEGEMÔNICOS DÃO MAIS ESPAÇO AO TEMA A pesquisa de Tainá Medeiros também mostrou que veículos independentes ou não-hegemônicos são os que mais abrem espaço para
tratar do tema racismo estrutural no Brasil. De acordo com o estudo, das mais de 800 matérias com menções ao tema entre 2010 e 2020, estão concentradas em apenas 20 veículos, sendo nove
deles empresas de fora da chamada mídia hegemônica. CARTACAPITAL aparece como o veículo que mais publicou sobre o assunto até outubro de 2020, com 58 matérias, seguido de _Brasil de Fato_,
com 28 textos e só em então começam a aparecer jornais da imprensa hegemônica, como _Folha de S. Paulo_, também com 28 publicações, e _O Globo_, com 27. “Estes números novamente revelam a
falta de interesse de determinados grupos e veículos em tratarem do assunto, questionarem as suas estruturas. É justamente quem tem mais espaço e as maiores equipes nas redações que se
dedicam menos e mostram menos interesse sobre o assunto”, avalia Medeiros. Vale ressaltar ainda que, com a atualização do mês de novembro de 2020, o ‘ranking’ de publicações mudou, novamente
comprovando a tese de interesse momentâneo dos veículos de comunicação hegemônicos sobre a temática. Com o fechamento daquele mês, passaram à frente _Folha de S. Paulo_ e _O Globo_, que
acumularam 38 publicações. _Brasil de Fato_, antes em segundo lugar, caiu para quarto com 31 textos. CARTACAPITAL se manteve como o veículo que mais tratou do assunto, com 59 matérias. Foto:
Reprodução O caminho percorrido até aqui pelo jornalismo digital, defende a jovem, torna as perspectivas sobre o avanço do assunto positivas. Ao que tudo indica, não haverá um
recrudescimento na abordagem do assunto, pelo contrário, prevê-se que ele terá cada vez mais espaço nos próximos anos. “São dois motivos. O primeiro é justamente a maior procura da sociedade
pelo tema. No Google _Trends_ a pergunta ‘o que é racismo estrutural?’ foi um dos termos mais buscados em 2020. Ou seja, as pessoas querem saber, há demanda. O segundo motivo é o surgimento
de mais veículos independentes e especializados no assunto, com redações formadas por profissionais negros e focados na pauta”, detalha. Ainda assim, alerta ela na pesquisa, “o aumento […]
não expressa necessariamente o que poderíamos chamar de um compromisso jornalístico coletivo em problematizar o tema”, enquanto o assunto continuar sendo pauta de apenas poucos veículos.
Para ela, reforça na pesquisa, “a mídia hegemônica brasileira ainda é comandada por integrantes de uma elite econômica majoritariamente branca e que reflete e responde aos interesses do
capital privado, o que a posiciona em uma perspectiva ideológica oposta à que a crítica do racismo estrutural propõe” e a abordagem ao conceito só irá mudar quando as redações deixarem de
ter essa composição e estrutura. Uma mudança radical no meio, no entanto, ainda parece distante. De acordo com a pesquisa que traçou o perfil racial da imprensa brasileira, a carreira dentro
das redações é bem mais difícil para um jornalista não-branco. Ao todo, 98% dos entrevistados apontaram para esta dificuldade.
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